A moral do materialismo liberal


Em meio à efervescência ideológica de posições atreladas à diminuição da atuação do Estado, tanto na economia quanto nas demais esferas pessoais dos cidadãos, com a contínua derrocada do estamento burocrático fisiologista e autoritário, grupos de militância e movimentos sociais pretensamente inovadores se colocam como proponentes da esperança em forma de compêndios de ideias ditas fruto da descentralizada vontade popular. Porém, o tempo, sendo senhor da razão, tem prestado amargo desserviço a toda modalidade de farsa e vil oportunismo.

As ideias liberais estão longe de se resumir em privatizações, redução de impostos e de regulação econômica. Isso constitui apenas um conjunto de procedimentos derivado de um conceito central e abrangente. O liberalismo, enquanto ideologia, foi fundado por John Locke, mediante a ideia de que o Estado deve ter a função exclusiva de fornecer o essencial respaldo jurídico aos direitos fundamentais e às estruturas e instituições sociais pré-moldadas, a exemplo do casamento, da propriedade privada, da vida e da estrutura familiar. Toda ação estatal que extrapole tal preceito é considerada agigantamento da máquina pública. No entanto, uma série de ideólogos e líderes políticos, sob uma roupagem autoproclamada "liberal", tem proferido visões de mundo complacentes com a reinvenção arbitrária de ícones e tópicos socialmente consolidados, pautados com base em praticamente toda espécie de costume praticado por minorias sem prerrogativa significante sobre a civilização, ou mesmo em grupelhos marginalizados.

Em uma exposição cujo conteúdo expõe crianças à presença de um corpo de um homem nu, por exemplo, há claramente uma transgressão a um dos princípios basilares do liberalismo, que é o direito inalienável de o ser humano, em estágio de formação da personalidade e imaturidade explicitada pela tenra idade, não ser colocado em situação danosa à sua integridade psicológica e consciencial. Isso independe da vontade de seus pais ou tutores. Apesar de tão categórica diretriz teórica, grande parte dos autointitulados "liberais modernos" defende que, em uma situação como essa, não há nenhuma infração moral, pois, se seus pais dão chancela a tal ato e a instituição que realiza o referido evento usa recursos obtidos via mercado, há plena permissão legítima.

A priorização indevida da economia, seara essencialmente materialista, corrobora gritantes distorções conceituais no espectro liberal. Pautar a análise cultural, política e até moral, com base em critérios econômicos destoa frontalmente do verdadeiro ideário liberal e entra em tenebrosa consonância com  a visão marxista de soberania material frente a quesitos imateriais (a metamorfose dos acontecimentos sociais tendo as mutações econômicas como força motriz). Tal visão subjuga e negligencia o âmbito moral, sem o qual não se possui embasamento real e consistente para se defender qualquer que seja a cosmovisão como qualitativamente superior, pois não haveria um padrão absoluto no qual se referenciar.

Na guerra retórica e cultural, defender como ponto principal algo que seu adversário não ataca centralmente (liberdade econômica) e, em segundo plano, concordar com o tópico que constitui o âmago de sua militância (relativismo dos costumes sociais) o fortalece. O espectro esquerdista, sendo hegemônico, porém em combalimento, se engrandece de forma nefasta com a postura dos pretensos correligionários "modernos" da liberdade no cenário político, pois em meio à profunda crise do apodrecido status quo, encabeçado pelo marxismo, frente à opinião pública, os que se dizem rompedores deste compactuam com suas nuances de podridão. O autêntico liberalismo, conduzido por seus genuínos asseclas, deveria unir forças com a sociedade civil, cuja lucidez é cambaleante, na tarefa de suprimir efetivamente a influência da ideologia que representa inimizade incisiva para com a liberdade civilizacional, ocupando espaços em prol de combater sua agenda principal.


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Comentários

  1. Excelente como vc contrapôs as ideais do liberalismo "raiz" com os liberalismo de quarta, quinta fase, em especial sobre a primazia da economia.

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